Tem brasileiro por trás do computador quântico do Google


Tem brasileiro por trás do computador quântico do Google

O Google contou com a ajuda de um brasileiro de Minas Gerais para estabelecer um marco na história da computação. A empresa anunciou nesta semana que seu computador quântico conseguiu executar em segundos uma tarefa que um supercomputador tradicional não seria capaz de cumprir em menos de 10 mil anos.

Ainda que tenha sido contestado pela IBM, maior rival nessa corrida quântica, o feito é encarado como uma prova de conceito importante de que máquinas movidas a bits quânticos podem realizar ações que bits clássicos não são capazes de fazer em tempo razoável. Especialista em entrelaçamento, uma das propriedades da física quântica mais importantes para esse novo ramo da computação, Fernando Brandão foi um dos 76 cientistas que participaram da pesquisa.

Professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Brandão mudou de rumo acadêmico antes mesmo de sair da faculdade. Entrou em 2001 para cursar engenharia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas logo foi fisgado pelo charme quântico.

“No ciclo básico, tive matéria de física e ciência da computação e me interessei muito pelas duas. No meio do curso, percebi que queria ser cientista, não engenheiro. De certa forma, eu sabia que queria trabalhar com computação quântica mesmo antes de saber que eu queria ser um físico.”

O namoro continuou durante o mestrado na própria UFMG, mas o casamento definitivo entre as duas áreas só veio mais tarde, no doutorado no Imperial College, de Londres. Sua tese analisava propriedades do entrelaçamento. Um dos fenômenos mais estranhos da física quântica, é essa característica que explica, em resumo, como uma partícula subatômica pode estar de tal forma ligada a outra que, mesmo separada de seu par por distâncias enormes, seu estado não pode ser descrito individualmente.

Ele também analisou o potencial de um computador quântico para calcular as propriedades de um sistema formado por diversas partículas entrelaçadas.

Buscar construir conhecimento sobre duas áreas aparentemente distantes não chega a ser novidade para Brandão. Isso foi coisa que ele aprendeu em casa. “O apreço pelo saber veio desde criança pela influência dos meus pais. Meus pais são professores universitários, mas na área de humanas. Meu pai é professor de grego antigo e minha mãe é professora de filosofia.”

A multidisciplinaridade valorizada na vida familiar foi mantida na vida acadêmica. Após concluir o doutorado em 2008, Brandão trabalhou como professor de ciências da computação no University College, de Londres. Desde 2016, ele leciona física na Caltech.

Antes de colaborar na pesquisa do Google, ele atuou por dois anos como pesquisador do braço dedicado à arquitetura quântica do Microsoft Research, a área de pesquisa aplicada da dona do Windows.

Entrelaçado

Quando se fala em computação quântica, o recurso quântico inevitavelmente mais destacado é a sobreposição, que descreve a característica de partículas subatômicas possuírem diferentes estados físicos sobreposicionados. Quando isso é emprestado da física para o mundo da computação, os bits quânticos podem, na prática, processar ou armazenar 0s e 1s simultaneamente — um bit clássico, por sua vez, pode ser uma coisa ou outra de cada vez.

“Só a superposição não explica porque computadores quânticos são melhores que computadores normais para resolverem alguns problemas”, pondera Brandão em entrevista ao Tilt.

Ele explicou como seu trabalho contribuiu para manejar e gerenciar o Sycamore, chip quântico de 53 qubits que conseguiu em 200 segundos adivinhar a composição do mecanismo por trás de um gerador aleatório de números, uma tarefa que o supercomputador Summit, da IBM, levaria 10 mil anos para concluir, segundo o Google — nas contas da IBM, seria possível executar a missão em dois dias e meio.

O emaranhamento é um requisito fundamental para a supremacia quântica. Preparar estados altamente emaranhados de 53 qubits foi uma parte crucial. Se, durante a computação quântica, não for gerada uma grande quantidade de emaranhamento, temos métodos eficientes para simular a computação quântica em computadores convencionais

A IBM disse que o Google ignorou importantes avanços técnicos ao projetar o tempo que um supercomputador tradicional levaria para concluir o desafio e argumentou que não há utilidade prática nessa tarefa em que o computador quântico resolveu. De fato, a capacidade do Sycamore, no estágio atual, produzir algum avanço na vida cotidiana é limitada. Tanto Brandão quanto os pesquisadores do Google com quem Tilt conversou enfatizam que se tratava apenas de uma prova de conceito.

O experimento, no entanto, demonstrou pela primeira vez que computadores quânticos podem superar seus pares tradicionais. De quebra, foi a primeira vez que a tese Church-Turing, importante princípio da computação foi refutada — ela diz que “qualquer função efetivamente calculada é uma função computável” pelo computador tradicional. Para se ter ideia da revolução de que se trata aqui, Alan Turing foi um matemático que ajudou o Reino Unido a decodificar os códigos nazistas na Segunda Guerra Mundial e também é considerado um dos pais da computação.

Ainda que o grupo tenha comemorado, o desafio de construir um computador quântico capaz de realizar tarefas impossíveis para máquinas que usem bits tradicionais e que impactem o dia a dia das pessoas só está começando.

“Um primeiro desafio é atingir a supremacia quântica para um problema de interesse prático. Todas as futuras aplicações de um computador quântico, seja em ciência de materiais, otimização e criptografia, parecem precisar de um computador quântico com correção de erro”, explica Brandão.

Atualmente, a cada mil interações entre dois qubits, ocorrem seis erros — toda vez que isso ocorre, o processo tem de ser refeito. A meta do Google é reduzir essa taxa para 0,1%.

O esforço de Brandão para desvendar os mistérios da física quântica já são reconhecidos na comunidade científica. Seu trabalho de doutorado recebeu dois prêmios, um da Sociedade Europeia de Física e outro do Instituto de Física. Em 2013, ganhou o prêmio de Investigador Jovem de Informação Quântica. Para o ano que vem, ele já foi escolhido pela Sociedade Americana de Física para receber o prêmio pelas suas contribuições pelos estudos que mostram como o entrelaçamento pode ajudar na computação quântica.

*O jornalista viajou a convite do Google.

Via Tilt