O que é a criptografia quântica — e por que você deveria se importar com isso


O que é a criptografia quântica — e por que você deveria se importar com isso

Os sistemas de criptografia estão presentes em quase todas as facetas da tecnologia moderna. Mas, com a evolução da computação quântica, será possível quebrar todos os sistemas que temos hoje

Quando você pensa em criptografia, o que provavelmente vem à sua mente são filmes e programas de TV cheios de hackers e mensagens misteriosas? Você também pode pensar na batalha entre a Apple e o FBI, exigindo acesso a informações criptografadas do iPhone de um atirador de San Bernardino. Mas é mais simples: a criptografia é a técnica pela qual o compreensível se torna ininteligível, de difícil ou impossível compreensão; incompreensível. Espiões usam criptografia para enviar segredos, generais usam para coordenar batalhas, entre inúmeras outras funcionalidades que orbitam o tema da transmissão de dados.

Os sistemas de criptografia estão presentes em quase todas as facetas da tecnologia moderna, não apenas para ocultar informações, mas também para verificar e esclarecer informações pessoais básicas. A história da criptografia se estende por séculos e é tão complicada quanto a matemática que a faz funcionar. E novos avanços e mudanças de atitudes podem alterar completamente a criptografia.

Quando aplicada aos dados — uma informação sobre movimentos de tropas na Segunda Guerra Mundial, por exemplo — a criptografia torna ilegível a mensagem a qualquer pessoa que não tiver a chave adequada. Os códigos de substituição, onde uma letra é substituída por outra, é a mais simples de entender e é utilizada atualmente em vários quebra-cabeças de criptografia. Depois de descobrir a substituição, ler o restante da mensagem passa a ser simples.

Os Aliados tinham o SIGSALY, um sistema que podia embaralhar as comunicações de voz em tempo real. As teclas do sistema eram registros fonográficos idênticos que eram tocados simultaneamente enquanto a conversa estava em andamento. Quando uma pessoa falava ao telefone, suas palavras eram digitalizadas e combinadas com o ruído criado especificamente no registro. O sinal criptografado era enviado para outra estação SIGSALY, onde era descriptografado usando o gêmeo do registro de codificação e a voz era reproduzida. Após cada conversa, os registros eram destruídos. Portanto, cada mensagem era codificada com uma chave diferente, tornando a descriptografia muito mais difícil.

Os militares alemães contavam também com um sistema semelhante. A máquina ENIGMA consistia em um teclado, fios, um painel semelhante a um painel telefônico, rodas rotativas e uma placa de saída. Ao pressionar uma tecla determinada, o dispositivo executava sua programação mecânica e alterava para uma letra diferente. Uma máquina ENIGMA configurada de forma idêntica, executaria as mesmas ações, mas ao contrário para tornar a mensagem identificável. As mensagens podiam então, ser criptografadas ou descriptografadas o mais rápido possível. O interessante é que o código específico mudava cada vez que a letra era pressionada. Ao pressionar A, a máquina exibia E. Mas pressionando A novamente, a máquina exibia uma letra completamente diferente.

Os sistemas ENIGMA e SIGSALY foram os primeiros equivalentes a um algoritmo (ou muitos algoritmos), executando uma função matemática repetidamente. A quebra de um código, façanha realizada por Alan Turing e outros decifradores de códigos nas instalações da Inglaterra em Bletchley Park no caso da ENIGMA, significa ser capaz de entender a metodologia empregada pela máquina de um oponente.

Com o passar dos anos, Martin Hellman e Whitfield Diffie, com a ajuda de Ralph Merkle, propuseram um tipo radicalmente diferente de criptografia. Em vez de uma única chave na qual todo o sistema seria suspenso, eles sugeriram um sistema de duas chaves. Uma chave, a chave privada, era mantida em segredo como em um sistema de criptografia tradicional. E a outra chave era tornada pública.

Para enviar uma mensagem secreta para Hellman, você usaria sua chave pública para codificar a mensagem e depois enviá-la. Qualquer pessoa que interceptasse a mensagem, veria apenas uma grande quantidade de texto indesejado. Após o recebimento, Hellman usaria sua chave secreta para decifrar a mensagem.

Para que o sistema funcionasse, o remetente e o destinatário precisavam de chaves idênticas. Se o receptor perdesse o registro da chave, não haveria como descriptografar a mensagem. Ou seja, se o registro da chave fosse roubado ou duplicado, a mensagem original não teria como ser descriptografada.

Neste contexto, é operante termos em mente que a criptografia está presente em nossas vidas e ganhando espaço de forma muito mais abrangente do que imaginamos. As Assinaturas Digitais são um bom exemplo disso. Como uma assinatura manuscrita, ela é fácil para a pessoa autorizada fazer e difícil para um impostor reproduzir. Pode inclusive ser autenticada com um simples olhar.

Mas, através das evoluções da criptoanálise quântica, será possível quebrar todos os sistemas que atualmente dependem de criptografia. Os computadores de hoje contam com um sistema binário de 1 ou 0 para operar. Um computador quântico, por outro lado, poderá usar uma superposição de estados - não apenas 1 ou 0, mas 1 e 0 ao mesmo tempo - o que permite realizar muitos cálculos simultaneamente. Também poderá fazer uso do entrelaçamento quântico, no qual uma mudança em uma partícula é expressa em seu gêmeo emaranhado mais rápido que a luz.

É o tipo de coisa que faz sua cabeça doer, especialmente se você já está tropeçando tentando entender computadores clássicos. O fato de usarmos a frase “computadores clássicos”, talvez seja o indicativo de quão longe chegaremos com a computação quântica prática.

Praticamente todos os algoritmos de criptografia de chave pública que usamos hoje são vulneráveis à análise criptográfica quântica. Lembre-se, o utilitário da criptografia moderna é que leva alguns segundos para criptografar e descriptografar as informações com as chaves certas. Sem as chaves, pode levar um tempo incrivelmente longo, mesmo com um computador moderno. É esse diferencial no tempo, mais do que matemática e implementações, que torna a criptografia valiosa.

Normalmente, levaria milhões e milhões de anos para os computadores clássicos quebrarem códigos de proteção. Mas através de um computador quântico, quebrar algoritmos criptográficos será possível em alguns minutos. E lembre-se, esses são os algoritmos que são usados para criptografar praticamente tudo o que passa pela internet. Portanto, se você acessa uma página segura, são usados esses algoritmos. Se você faz transações financeiras, provavelmente está usando alguns desses algoritmos. Sim, quem construir um computador quântico efetivo para uso primeiro, poderá interromper e ouvir muitas das suas conversas e transações financeiras.

Computadores quânticos em funcionamento já produziram alguns resultados promissores, mas qualquer coisa que se pareça com um computador quântico eficaz está longe de ser mainstream. Em paralelo, a pesquisa sobre como se proteger contra a criptoanálise quântica avança, operando sob as suposições que podemos fazer sobre como esse computador funcionaria. O resultado é um tipo totalmente diferente de criptografia.

Essas questões são fundamentalmente matematicamente diferentes dos algoritmos que você pode usar o computador quântico para quebrar. Um novo tipo de matemática usando premissas baseadas em treliça está sendo usado para garantir que, quando a próxima geração de computadores ficar online, a criptografia não desapareça.

Mas os computadores quânticos que causariam um ataque cardíaco a Einstein são apenas uma das ameaças à criptografia moderna. Uma preocupação mais real é a tentativa contínua de tornar a criptografia fundamentalmente insegura em nome da segurança nacional.

A questão, é claro, é muito mais complexa do que parece. No caso de registros bancários, pode haver dezenas de registros com chaves de criptografia individuais e depois chaves para simplesmente observar o fluxo de dados. Isso provoca a discussão das chamadas chaves mestras, que atravessariam essas camadas, enfraquecendo a matemática no coração dos sistemas.

Diante deste cenário, temos que deixar de revisitar sempre os mesmos problemas. Temos que começar a procurar maneiras inovadoras de resolver os problemas atuais e levar as indústrias adiante para que os usuários possam seguir suas vidas como fariam em qualquer outro dia, independente dos avanços tecnológicos.

  • Juan Pablo D. Boeira é CDO – Chief Digital Officer – Innovation Center, mestre e doutorando em Design Estratégico e Inovação pela UNISINOS e professor de Inovação e Tópicos Avançados de Marketing na UNISINOS, ESPM e PUCRS.

Via: https://epocanegocios.globo.com/colunas/noticia/2020/01/o-que-e-criptografia-quantica-e-por-que-voce-deveria-se-importar-com-isso.html